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terça-feira, 2 de novembro de 2010

É admissível a progressividade no ITCMD, mesmo sem previsão constitucional?

         A progressividade é uma técnica de incidência de alíquotas variadas, na qual o valor da alíquota cresce conforme a base de cálculo do tributo é majorada. Como instrumento da tributação, a progressividade apresenta-se, segundo o objetivo almejado, sob duas modalidades: progressividade fiscal e extrafiscal. Na primeira, a intenção é o incremento da arrecadação, tributando mais pesadamente quem manifesta maior riqueza, ou seja, como anota Sabbag, “quanto mais se ganha, mais se paga”[1]. Noutro norte, na progressividade extrafiscal o escopo é outro; a finalidade é induzir o contribuinte a um determinado comportamento, moldando sugestivamente a conduta através da tributação.
         A Constituição previu expressamente a progressividade da alíquota de três impostos: do ITR (art. 153, 4º, I), do IPTU (art. 156, § 1º, I e II e art. 182, § 4º, II) e do imposto sobre a renda (art. 153, 2º, I). Na primeira espécie tributária o fim da progressividade é nitidamente extrafiscal, pois visa desestimular a manutenção de propriedades improdutivas. Da mesma natureza era, originalmente, a progressividade prevista na Constituição para o IPTU, até que a Emenda Constitucional n. 29/2000 trouxe três novas hipóteses de alíquotas progressivas, em função do valor, da localização e do uso do imóvel. A partir dessa emenda o IPTU passou a ter uma dupla progressividade, uma delas de feição claramente arrecadatória [2]. Já no caso do imposto sobre a renda, a função da progressividade é precipuamente guarnecer as finanças públicas.
         Insta saber se além das hipóteses previstas na Constituição é admissível ao legislador infraconstitucional estatuir a progressividade para outros impostos. Mais especificamente, perquire-se nesse estudo a possibilidade de o legislador estadual estabelecer uma alíquota progressiva para o ITCMD, nas condições, por exemplo, da seguinte tabela:
BASE DE CÁLCULO
ALÍQUOTA
Até R$ 40.000,00
1,5 %
De R$ 40.001,00 até R$ 250.000,00
2,5 %
A partir de R$ 250.001,00
3,5 %
                    O ITCMD é o imposto de competência dos estados incidente sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos por causa mortis ou doação. Como afirmado, não existe na Constituição previsão explícita da progressividade para este tributo, conquanto também não haja vedação. A Resolução n. 09/92 do Senado Federal fixou em 8% a alíquota máxima do imposto e, indo além do comando constitucional, facultou aos estados a instituição de alíquotas progressivas dependentes do quinhão de cada herdeiro:
Res. Senado Federal 09/92
Art. 2º As alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal. (grifo acrescentado)
                   Sabbag [3] anota que essa resolução contraria o entendimento majoritário assentado na doutrina e jurisprudência, consoante também leciona José Eduardo Soares de Melo[4]:
A Constituição estabeleceu de modo expresso, preciso, delimitado e categórico, as espécies de impostos que devem ser plasmados pela progressividade, não ficando ao mero interesse do legislador ordinário utilizar este princípio, do modo como melhor lhe aprouver.
                   Concluindo, no tocante ao tributo aqui examinado, que
a possibilidade de ser estabelecida a progressividade em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber (prevista na mencionada Resolução), não contém amparo na Constituição.
                   Em vários julgados o Supremo analisou a questão da progressividade das alíquotas nos impostos reais, considerando inconstitucionais tais alíquotas sob o axiomático fundamento de que ela não é cabível nos imposto dessa natureza (v. RE 452146 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 03/04/2008). Por outro lado, quando o tema é propriamente o ITCMD, a jurisprudência da Corte parece não estar ainda suficientemente solidificada. Emblemático é o julgamento do RE 526045/SP. Após o voto do ministro relator Ricardo Lewandowski, que reputou inconstitucional a alíquota progressiva do ITCMD sob o argumento de que “a progressividade, no caso de impostos reais, em nosso ordenamento legal, só pode ser adotada se houver expressa previsão constitucional”, abriu divergência o Min. Eros Grau, asseverando que
todos os impostos estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, mesmo os que não tenham caráter pessoal, e que o que esse dispositivo estabelece é que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal. Ou seja, a Constituição prescreve como devem ser os impostos, todos eles, e não somente alguns. Assim, todos os impostos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal, podem e devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo. (RE 562045/RS, rel.Min. Ricardo Lewandowski, 17.9.2008)
         Acompanharam a divergência os ministros Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia e Menezes Direito. Além disso, no RE 548278/RS, o Min. Marco Aurélio já se pronunciara favoravelmente à possibilidade de alíquota progressiva para o ITCMD.
         A posição desses cinco ministros, aliada ao fato de o tribunal já ter assentido que uma emenda constitucional estabelecesse alíquotas progressivas para um imposto real, nos termos do enunciado sumular n. 668 – que julgou constitucional a EC 29/2000 –, aponta para uma tendência na jurisprudência da Suprema Corte de acatar a tese advogada pelas fazendas estaduais de que o sistema tributário delineado na Constituição comporta um ITCMD progressivo, abandonando seu anterior posicionamento.
         O fundamento dessa mudança está para além do enigmático § 1º do art. 145 da Constituição. Com efeito, a permissão para a instituição da progressividade não somente em alguns impostos parece exsurgir da própria essência do estado democrático e social de direito. A busca pela justiça fiscal, através de princípios como o da capacidade contributiva, exige a desoneração dos que possuem menor potencial contributivo, em face da tributação mais rigorosa daqueles cujas condições de contribuir são maiores. A progressividade, nesse sentido, encontra amparo na sistemática constitucional, como instrumento de realização da justiça fiscal. Conclui-se, pois, que a progressividade da alíquota do ITCMD estabelecida pela lei estadual no exemplo dado é constitucional, sendo válida em face da Constituição Federal.


[1] SABBAG, Eduardo de Moraes.  Manual de Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 403.
[2] A esse respeito veja-se a súmula n. 668 do STF, cuja leitura, a contrario sensu, expressa o entendimento do Supremo pela constitucionalidade da polêmica EC 29/00: “668 - É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”.
[3] SABBAG, Eduardo de Moraes.  Manual de Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 982.
[4] Curso de Direito Tributário. 3 ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 38 e 338, respectivamente.

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