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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A (in)constitucionalidade das taxas de lixo e de limpeza de logradouro

A taxa é um tributo de competência comum da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Sua cobrança se dá em razão do exercício regular do poder de polícia, ou da utilização de serviço público específico e divisível, usufruído efetivamente pelo contribuinte ou posto à sua disposição (utilização potencial), nesta hipótese se os serviços forem de utilização compulsória. Sua previsão constitucional encontra-se no art. 145, II, da Constituição Federal.

Desse conceito extrai-se que existem duas espécies de taxa: a) taxa de polícia ou de fiscalização e b) taxa de serviço ou de utilização. A primeira é “cobrada em razão da atividade do Estado, que verifica o cumprimento das exigências legais pertinentes e concede a licença, a autorização, o alvará e etc”[1]. Já a taxa de serviço presta-se a remunerar a utilização de um serviço público, específico e divisível, consoante o caput do art. 77 do CTN.

Juntamente com a contribuição de melhoria, a taxa é classificada como um tributo vinculado, pois atinente a uma prestação estatal direta e específica ao contribuinte. Nesse sentido diferencia-se dos impostos, cujo produto da arrecadação é destinado ao custeio das despesas gerais do Estado, sendo, portanto, um tributo não vinculado a uma prestação estatal individualmente direcionada. Noutros termos, na cobrança da taxa “o Estado atua, de modo especial, em função da pessoa do contribuinte”[2].

A Constituição, além ter inserido a taxa na competência comum dos entes federativos nas três esferas de governo, não estabeleceu um rol taxativo de atividades que, se desempenhadas pelo Poder Público de forma específica e divisível, viessem a ensejar remuneração por meio desse tributo. No caso da taxa de utilização, como são variadíssimos os serviços prestados pela Administração, individualizadamente aos usuários, é um tributo fartamente utilizado pela Administração. Contudo, em alguns casos o emprego dessa espécie tributária não tem encontrado amparo constitucional na jurisprudência.

A taxa de coleta de lixo é um exemplo de taxa de serviço que quando foi criada gerou muita polêmica. A primeira questão enfrentada foi a de saber se se tratava de um serviço específico e divisível. O Supremo Tribunal Federal declarou constitucional a exação, afirmando que seu fato gerador preenche os requisitos da especificidade e divisibilidade (ver AI 551.560/SP, AI 613.379-AgR/RJ e AI 636.528-2 AgR/RJ). Ainda com relação a essa taxa, outra questão debatida foi a possibilidade de ela se apropriar de elementos do IPTU para fins de determinação de sua base de cálculo, especificamente, a utilização da metragem do imóvel na apuração do valor devido. O Supremo novamente posicionou-se pela constitucionalidade das “taxas que, na apuração do montante devido, adote (sic) um ou mais dos elementos que compõem a base de cálculo de determinado imposto, desde que não se verifique identidade integral entre a base de cálculo da taxa e a do imposto” (RE 557957 AgR/SP).

Hipótese relacionada a esta e que também foi enfrentada pelo STF é a da taxa de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos, instituída em razão de atividades como varrição, lavagem, capinação, desentupimento de bueiros e bocas de lobo. A jurisprudência do Supremo, diversamente, decidiu pela inconstitucionalidade dessa taxa, pacificando a questão nos seguintes termos:
TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. ILEGALIDADE DA TAXA DE COLETA DE LIXO E LIMPEZA PÚBLICA. ART. 145, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Tributo vinculado não apenas à coleta de lixo domiciliar, mas também à limpeza de logradouros públicos, hipótese em que os serviços são executados em benefício da população em geral (uti universi), sem possibilidade de individualização dos respectivos usuários e, consequentemente, da referibilidade a contribuintes determinados, não se prestando para custeio mediante taxa. (AI 636528 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, jun 2009).
Como se vê, a taxa de coleta domiciliar de lixo e a taxa de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos, embora semelhantes, são essencialmente distintas. As diferenças se dão por conta de a segunda não preencher os requisitos constitucionais e legais característicos das taxas, nomeadamente, a especificidade e a divisibilidade. Com efeito, o serviço de limpeza e conservação de vias públicas não se ajusta ao modelo constitucional. Sendo os logradouros bens públicos de uso comum do povo (CC, art. 99, I), seu uso é feito indistintamente pela população em geral, e qualquer benfeitoria neles realizada aproveita a todos os usuários, residentes ou não; contribuintes ou não. São, portanto, atividades prestadas uti universi, não se revelando possível a indicação concreta dos destinatários do serviço.

Conclui-se, assim, que falta à taxa de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos a necessária referibilidade da prestação e a possibilidade de quantificação do benefício auferido individualmente pelo contribuinte. Dessa forma, a remuneração dessas atividades deve ser feita por meio das receitas públicas provenientes dos impostos. É de se anotar, ainda, que nada impede às municipalidades, através de expediente conhecido e bem sucedido, pressionarem o Governo Central a propor emenda à Constituição permitindo a instituição de tal tributo na forma de contribuição, a exemplo do que aconteceu com a antiga taxa de iluminação pública.

[1] AMARO, Luciano. Apud SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 408.
[2] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. As espécies tributárias: os impostos, as taxas e as contribuições. In: Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. p. 439-473. Material da 3ª aula da Disciplina Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária e Tributos, ministrada no curso de Pós-graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Tributário – Anhanguera-Uniderp|Rede LFG.

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