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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O mérito do ato administrativo em Maria Sylvia Zanella Di Pietro

Baixe o texto da Profa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro sobre o mérito do ato administrativo no link abaixo.

https://www.dropbox.com/s/u75wbo350iv6t4v/Curso%20de%20Direito%20Administrativo.%20Maria%20Sylvia%20Zanella%20Di%20Pietro%2C%202012.pdf

O mérito do ato administrativo em José dos Santos Carvalho Filho.

V. Mérito Administrativo
1. Sentido
Vimos, ao estudar o poder discricionário da Administração, que em certos atos a lei permite ao agente proceder a uma avaliação de conduta, ponderando os aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática do ato. Esses aspectos que suscitam tal ponderação é que constituem o mérito administrativo.
Pode-se, então, considerar mérito administrativo a avaliação da conveniência e da oportunidade relativas ao motivo e ao objeto, inspiradoras da prática do ato discricionário. Registre-se que não pode o agente proceder a qualquer avaliação quanto aos demais elementos do ato – a competência, a finalidade e a forma, estes vinculados em qualquer hipótese. Mas lhe é lícito valorar os fatores que integram o motivo e que constituem o objeto, com a condição, é claro, de se preordenar o ato ao interesse público.

2. Vinculação e Discricionariedade
Quando o agente administrativo está ligado à lei por um elo de vinculação, seus atos não podem refugir aos parâmetros por ela traçados. O motivo e o objeto do ato já constituirão elementos que o legislador quis expressar. Sendo assim, o agente não disporá de nenhum poder de valoração quanto a tais elementos, limitando-se a reproduzi-los no próprio ato. A conclusão, dessa maneira, é a de que não se pode falar em mérito administrativo em se tratando de ato vinculado.
O contrário se passa quanto aos atos discricionários. Nestes se defere ao agente o poder de valorar os fatores constitutivos do motivo e do objeto, apreciando a conveniência e a oportunidade da conduta. Como o sentido de mérito administrativo importa essa valoração, outra não pode ser a conclusão senão a de que tal figura só pode estar presente nos atos discricionários. Referida valoração de conveniência e oportunidade é que reflete o que modernamente se denomina de reserva do possível, ou seja, o conjunto de elementos que tornam possível esta ou aquela ação governamental e, por via de consequência, o que se revela inviável de ser executado pela Administração em certo momento e dentro de determinadas condições.
Já tivemos a oportunidade de assinalar que o administrador pode fazer valoração de conduta tanto na discricionariedade quanto na aplicação de conceitos jurídicos indeterminados, institutos que, apesar de terem alguns pontos comuns, apresentam fisionomia particular. Para não haver repetições inúteis, consulte-se o que dissemos anteriormente sobre tais aspectos.

3. Controle do Mérito
A valoração de conduta que configura o mérito administrativo pode alterar-se, bastando para tanto imaginar a mudança dos fatores de conveniência e oportunidade sopesados pelo agente da Administração. Na verdade, o que foi conveniente e oportuno hoje para o agente praticar o ato pode não sê-lo amanhã. O tempo, como sabemos, provoca alteração das linhas que definem esses critérios.
Com tal natureza, vemos que o agente pode mudar sua concepção quanto à conveniência e oportunidade da conduta. Desse modo, é a ele que cabe exercer esse controle, de índole eminentemente administrativa. Como exemplo, o caso de uma autorização para fechamento de rua com vistas à realização de uma festa junina. Pode a autorização ter sido dada pelo período de uma semana seguida, porque no momento de decidir o agente encontrou conveniência e oportunidade. Se, por acaso, se alterarem essas condições no meio do período, compete ao mesmo agente desfazer o ato e cancelar a autorização. Pertenceu-lhe, assim, o controle.
O Judiciário, entretanto, não pode imiscuir-se nessa apreciação, sendo-lhe vedado exercer controle judicial sobre o mérito administrativo. Como bem aponta SEABRA FAGUNDES, com apoio em RANELLETTI, se pudesse o juiz fazê-lo, “faria obra de administrador, violando, dessarte, o princípio de separação e independência dos poderes”. E está de todo acertado esse fundamento: se ao juiz cabe a função jurisdicional, na qual afere aspectos de legalidade, não se lhe pode permitir que proceda a um tipo de avaliação, peculiar à função administrativa e que, na verdade, decorre da própria lei. No mesmo sentido, várias decisões de Tribunais, como se observará adiante no item relativo à jurisprudência (item XIV).
O próprio Judiciário, faça-se justiça, tem observado o sistema pátrio e se expressado por meio da posição que reflete a melhor técnica sobre o tema. Assim, já se decidiu que a conveniência e oportunidade do ato administrativo constitui critério ditado pelo poder discricionário, o qual, desde que utilizado dentro dos permissivos legais, é intangível pelo Poder Judiciário. Em confirmação, assentou-se: Abonar ou não as faltas havidas por aluno do Curso Especial de Formação de Oficiais insere-se no âmbito do mérito do ato administrativo, que não é passível de crítica pelo Judiciário, cuja missão é verificar a conformação do ato com a lei escrita. Essa é realmente a correta visão jurídica, de modo que não encontram ressonância aquelas vozes que, por seu radicalismo e desvio de perspectiva, insinuam admitir a invasão do mérito administrativo pelo juiz.
O STJ deixou a questão em termos claros, assentando que é defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato administrativo, cabendo-lhe unicamente examiná-lo sob o aspecto de sua legalidade, isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente à lei. Esta solução se funda no princípio da separação dos poderes, de sorte que a verificação das razões de conveniência ou de oportunidade dos atos administrativos escapa ao controle jurisdicional do Estado.
O Supremo Tribunal Federal corrobora essa posição e, em hipótese na qual se discutia expulsão de estrangeiro, disse a Corte que se trata de ato discricionário de defesa do Estado, sendo de competência do Presidente da República, a quem incumbe julgar a conveniência ou oportunidade da decretação da medida, e que ao Judiciário compete tão-somente a apreciação formal e a constatação da existência ou não de vícios de nulidade do ato expulsório, não o mérito da decisão presidencial.
Referidas decisões são dignas de aplausos por demonstrarem, com exatidão, o perfil relativo ao controle do mérito administrativo e retratam como a questão merece ser realmente enfocada.
É claro que, a pretexto de exercer a discricionariedade, pode a Administração disfarçar a ilegalidade com o manto de legitimidade do ato, o que não raro acontece. Tal hipótese, entretanto, sempre poderá ser analisada no que toca às causas, aos motivos e à finalidade do ato. Concluindo-se ausentes tais elementos, ofendidos estarão os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, justificando, em consequência, a invalidação do ato. Tais princípios, como já tivemos a oportunidade de consignar, refletem poderosos e modernos instrumentos para enfrentar as condutas eivadas de abuso de poder, principalmente aquelas dissimuladas sob a capa de legalidade.


JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO. Manual de Direito Administrativo. 24 Ed. Editora Lumen Juris, 2011.