Caros alunos de Direito da Integração, este é um texto muito esclarecedor sobre o
conceito de SUPRANACIONALIDADE de autoria dos professores Diego Pereira Machado
e Florisbal de Souza Del´omo, que pode ser originariamente lido no endereço:
http://atualidadesdodireito.com.br/diegomachado/2011/11/14/o-que-se-entende-por-supranacionalidade/
O que se entende por
supranacionalidade?
O
conceito tradicional de soberania, em que o Estado era todo poderoso, não
admitindo limites ou intromissões em suas ações, vem sendo modificado pela
globalização da economia e seus consequentes desdobramentos. A soberania
comporta hoje uma interpretação relativizada, em que a ingerência da sociedade internacional
por meio das organizações internacionais encontra guarida nos próprios tratados
e no fato de as nações, por si sós, não mais possuírem meios e recursos para
sanarem problemas de alta gravidade e complexidade, tais como violação dos
direitos humanos, catástrofes ambientais e conflitos bélicos.
Conforme
o art. 2º, § 7º, da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), nenhum
dispositivo deste documento autoriza a ONU a intervir em “assuntos que dependam
essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a
submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta”; eis o
princípio da não intervenção em assuntos internos, que orienta a relação da ONU
com os Estados partes.
Tal
normativa sepulta o conceito clássico de soberania, haja vista que possibilita
a intervenção da ONU em determinados assuntos, desde que em caráter
excepcional. O princípio da não intervenção não poderá prejudicar a aplicação
das medidas coercitivas determinadas pelo Conselho de Segurança das Nações
Unidas, em situações que comprometam a paz mundial.
O art.
2º, § 7º, da Carta, preceitua que a ONU não intervirá no que diz respeito a
assuntos que dependem essencialmente da jurisdição interna dos Estados.
Conclui-se, assim, que se não há essa dependência pode a organização ingerir em
questões como nacionalidade, refugiados, direitos humanos, proteção do meio
ambiente, exploração de petróleo, etc. Quem define se o assunto é de interesse
interno ou de interesse internacional, como os ora citados, é a própria ONU, o
que impede o abuso por parte dos Estados que ratificaram a Carta das Nações
Unidas de 1945.
Na União
Europeia surge um conceito ainda mais avançado, uma forma de flexibilizar ainda
mais a soberania. O princípio da não intervenção acima exposto, previsto na
Carta da ONU, é posto pela UE de forma mais nítida, definida e acentuada. No
âmbito do bloco europeu os Estados aceitam delegar competências às instituições
europeias, e passam a respeitar as decisões emanadas desse poder superior, dessa
instituição supranacional.[1]
Não se
pode classificar a ONU como uma organização supranacional, como ente que esteja
acima dos Estados. Já o corpo institucional da UE galgou tal posição, tanto que
as fontes do Direito Comunitário que disciplinam a vida em comunidade ostentam
primazia frente às normas nacionais.
Enquanto
referido art. 2º, § 7º, trás ao cenário uma regra interpretativa, subjetiva, em
que casuisticamente a ONU definirá quais assuntos são de interesse
essencialmente interno e de interesse extra-fronteiras, no campo do Direito da
União existem normas expressamente definidoras das competências comunitárias e
das competências nacionais.
Se o
artigo em comento da Carta da ONU já pode ser classificado como significativo
avanço quanto ao conceito de soberania, o modelo governamental da UE pode ser
adjetivado como o mais moderno a ser aplicado em toda a sociedade
internacional. Esse modelo adotado pela União pode ser resumido em uma única
palavra: supranacionalidade. Instituto tão distante do MERCOSUL que nem
previsão tem nos dicionários da língua portuguesa!
Os
tratados europeus não mencionam expressamente o termo “supranacionalidade”. Os
seus efeitos, no entanto, são subentendidos e estão bem presentes tanto na
jurisprudência comunitária quanto no dia a dia dos europeus. O Tratado da CECA,
de Paris, de 1951, em seu art. 9º, implicitamente já havia introduzido esta
noção.
A União
Europeia consagra uma espécie de soberania compartilhada, a supranacionalidade,
sendo que o seu sistema político apresenta diferentes níveis de governança, o
que vem sendo denominando também de governança multinível:
Até
o presente momento, esse processo permitiu a construção de um sistema político
no qual a governança tornou-se uma atividade multinível, intrinsicamente institucionalizada
e marcada por processos que se sobrepõem e se intercruzam entre diferentes
Estados e níveis acima e abaixo do antigo locus da soberania estatal.[2]
O bloco
comunitário pode ser considerado uma organização internacional supranacional,
com personalidade jurídica própria. Não pode ser classificado como uma
federação de Estados. No entanto, quanto ao seu caráter subjetivo (actorness),
em razão de seu profundo desenvolvimento, poderia também ser elevada a uma
categoria acima das organizações internacionais, com peculiaridades que a
transformariam em uma instituição sui generis.
O seu
diferencial seria exatamente o compartilhamento da soberania, em que os Estados
delegam parcelas de suas competências estatais internas para serem exercidas
por instituições supranacionais, que são aptas a conduzir os interesses do
bloco.
Costa entende que a supranacionalidade está:
Costa entende que a supranacionalidade está:
ligada à legitimidade regional e
apenas tem sentido quando é instrumento das demandas sociais, notadamente a de
integração. A opção por órgãos e direitos supranacionais não é, assim, uma
questão de mera vontade, mas principalmente de finalidades e possibilidades
sociais. Deve, portanto, estar balizada por uma análise profunda da sociedade e
da economia, mas nunca pode lançar suas bases sobre modelos formais, cujo
transplante apenas pode resultar em rejeição.[3]
Sendo que:
(…) a origem da supranacionalidade
encontra-se na transferência de parcelas soberanas por parte dos
Estados-nacionais em benefício de um organismo que, ao fusionar as partes
recebidas, avoca-se desse poder e opera por cima das unidades que o compõe, na
qualidade de titular absoluto.[4]
A
supranacionalidade não pode ser relacionada somente às instituições da UE, mas
também é um qualificador do bloco União Europeia como um todo e das fontes, que
também estão em um nível supranacional, ostentam primazia frente ao Direito
interno dos países. O bloco, as instituições e as fontes comunitárias são
supranacionais.
________________
[1] Ver, entre outros: LORENTZ, Adriane Cláudia Melo.
Supranacionalidade no Mercosul. Curitiba: Juruá, 2001; e KERBER, Gilberto. O
Mercosul e a Supranacionalidade. São Paulo: LTr, 2001.
[2] RAMOS, L.; MARQUES, S. F.; JESUS, D. S. V. Op cit, p.
94.
[3] COSTA, José Augusto Fontoura. Multiplicidade Jurídica e
Integração Regional. In: PIMENTEL, L. O.. (Org.). MERCOSUL no Cenário
Internacional – Direito e Sociedade. 1 ed. Curitiba: Juruá, 1998, v. 1, p. 268.
[4] STELZER, Joana. Integração Europeia:
dimensão supranacional. Florianópolis: Dissertação em Mestrado em Direito UFSC,
1998, p. 65.
Para quem quiser aprofundar o assunto, vale a pena a leitura da densa monografia do Dr. Eduardo Biacchi Gomes: UniãoEuropéia e Mercosul - Supranacionalidade versus Intergovernabilidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário