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quarta-feira, 17 de abril de 2013

O que se entende por supranacionalidade (MACHADO; e DEL´OLMO)

Caros alunos de Direito da Integração, este é um texto muito esclarecedor sobre o conceito de SUPRANACIONALIDADE de autoria dos professores Diego Pereira Machado e Florisbal de Souza Del´omo, que pode ser originariamente lido no endereço:  http://atualidadesdodireito.com.br/diegomachado/2011/11/14/o-que-se-entende-por-supranacionalidade/


O que se entende por supranacionalidade? 

               O conceito tradicional de soberania, em que o Estado era todo poderoso, não admitindo limites ou intromissões em suas ações, vem sendo modificado pela globalização da economia e seus consequentes desdobramentos. A soberania comporta hoje uma interpretação relativizada, em que a ingerência da sociedade internacional por meio das organizações internacionais encontra guarida nos próprios tratados e no fato de as nações, por si sós, não mais possuírem meios e recursos para sanarem problemas de alta gravidade e complexidade, tais como violação dos direitos humanos, catástrofes ambientais e conflitos bélicos.
               Conforme o art. 2º, § 7º, da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), nenhum dispositivo deste documento autoriza a ONU a intervir em “assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta”; eis o princípio da não intervenção em assuntos internos, que orienta a relação da ONU com os Estados partes.
               Tal normativa sepulta o conceito clássico de soberania, haja vista que possibilita a intervenção da ONU em determinados assuntos, desde que em caráter excepcional. O princípio da não intervenção não poderá prejudicar a aplicação das medidas coercitivas determinadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em situações que comprometam a paz mundial.
               O art. 2º, § 7º, da Carta, preceitua que a ONU não intervirá no que diz respeito a assuntos que dependem essencialmente da jurisdição interna dos Estados. Conclui-se, assim, que se não há essa dependência pode a organização ingerir em questões como nacionalidade, refugiados, direitos humanos, proteção do meio ambiente, exploração de petróleo, etc. Quem define se o assunto é de interesse interno ou de interesse internacional, como os ora citados, é a própria ONU, o que impede o abuso por parte dos Estados que ratificaram a Carta das Nações Unidas de 1945.
               Na União Europeia surge um conceito ainda mais avançado, uma forma de flexibilizar ainda mais a soberania. O princípio da não intervenção acima exposto, previsto na Carta da ONU, é posto pela UE de forma mais nítida, definida e acentuada. No âmbito do bloco europeu os Estados aceitam delegar competências às instituições europeias, e passam a respeitar as decisões emanadas desse poder superior, dessa instituição supranacional.[1]
               Não se pode classificar a ONU como uma organização supranacional, como ente que esteja acima dos Estados. Já o corpo institucional da UE galgou tal posição, tanto que as fontes do Direito Comunitário que disciplinam a vida em comunidade ostentam primazia frente às normas nacionais.
               Enquanto referido art. 2º, § 7º, trás ao cenário uma regra interpretativa, subjetiva, em que casuisticamente a ONU definirá quais assuntos são de interesse essencialmente interno e de interesse extra-fronteiras, no campo do Direito da União existem normas expressamente definidoras das competências comunitárias e das competências nacionais.
               Se o artigo em comento da Carta da ONU já pode ser classificado como significativo avanço quanto ao conceito de soberania, o modelo governamental da UE pode ser adjetivado como o mais moderno a ser aplicado em toda a sociedade internacional. Esse modelo adotado pela União pode ser resumido em uma única palavra: supranacionalidade. Instituto tão distante do MERCOSUL que nem previsão tem nos dicionários da língua portuguesa!
               Os tratados europeus não mencionam expressamente o termo “supranacionalidade”. Os seus efeitos, no entanto, são subentendidos e estão bem presentes tanto na jurisprudência comunitária quanto no dia a dia dos europeus. O Tratado da CECA, de Paris, de 1951, em seu art. 9º, implicitamente já havia introduzido esta noção.
               A União Europeia consagra uma espécie de soberania compartilhada, a supranacionalidade, sendo que o seu sistema político apresenta diferentes níveis de governança, o que vem sendo denominando também de governança multinível:
Até o presente momento, esse processo permitiu a construção de um sistema político no qual a governança tornou-se uma atividade multinível, intrinsicamente institucionalizada e marcada por processos que se sobrepõem e se intercruzam entre diferentes Estados e níveis acima e abaixo do antigo locus da soberania estatal.[2]
               O bloco comunitário pode ser considerado uma organização internacional supranacional, com personalidade jurídica própria. Não pode ser classificado como uma federação de Estados. No entanto, quanto ao seu caráter subjetivo (actorness), em razão de seu profundo desenvolvimento, poderia também ser elevada a uma categoria acima das organizações internacionais, com peculiaridades que a transformariam em uma instituição sui generis.
               O seu diferencial seria exatamente o compartilhamento da soberania, em que os Estados delegam parcelas de suas competências estatais internas para serem exercidas por instituições supranacionais, que são aptas a conduzir os interesses do bloco.


               Costa entende que a supranacionalidade está:
ligada à legitimidade regional e apenas tem sentido quando é instrumento das demandas sociais, notadamente a de integração. A opção por órgãos e direitos supranacionais não é, assim, uma questão de mera vontade, mas principalmente de finalidades e possibilidades sociais. Deve, portanto, estar balizada por uma análise profunda da sociedade e da economia, mas nunca pode lançar suas bases sobre modelos formais, cujo transplante apenas pode resultar em rejeição.[3]
Sendo que:
(…) a origem da supranacionalidade encontra-se na transferência de parcelas soberanas por parte dos Estados-nacionais em benefício de um organismo que, ao fusionar as partes recebidas, avoca-se desse poder e opera por cima das unidades que o compõe, na qualidade de titular absoluto.[4]
                 A supranacionalidade não pode ser relacionada somente às instituições da UE, mas também é um qualificador do bloco União Europeia como um todo e das fontes, que também estão em um nível supranacional, ostentam primazia frente ao Direito interno dos países. O bloco, as instituições e as fontes comunitárias são supranacionais.
________________
[1] Ver, entre outros: LORENTZ, Adriane Cláudia Melo. Supranacionalidade no Mercosul. Curitiba: Juruá, 2001; e KERBER, Gilberto. O Mercosul e a Supranacionalidade. São Paulo: LTr, 2001.
[2] RAMOS, L.; MARQUES, S. F.; JESUS, D. S. V. Op cit, p. 94.
[3] COSTA, José Augusto Fontoura. Multiplicidade Jurídica e Integração Regional. In: PIMENTEL, L. O.. (Org.). MERCOSUL no Cenário Internacional – Direito e Sociedade. 1 ed. Curitiba: Juruá, 1998, v. 1, p. 268.
[4] STELZER, Joana. Integração Europeia: dimensão supranacional. Florianópolis: Dissertação em Mestrado em Direito UFSC, 1998, p. 65.




                                   
Para quem quiser aprofundar o assunto, vale a pena a leitura da densa monografia do Dr. Eduardo Biacchi Gomes: UniãoEuropéia e Mercosul - Supranacionalidade versus Intergovernabilidade.

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