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domingo, 21 de abril de 2013

A GÊNESE DA UNIÃO EUROPEIA (Alberto do Amaral Júnior)


            A Europa realizou, até agora, a mais ampla e bem sucedida experiência de integração. A instituição do mercado comum e da união econômica e monetária, além do aparecimento da concepção de cidadania européia e da elaboração de complexo aparato institucional, dá a dimensão exata dos avanços já obtidos. O sentimento de um destino comum a ser compartilhado e a convicção de que a Europa é uma individualidade histórica, com valores próprios que necessitam ser preservados, representam forças poderosas a motivar os países para a consecução do empreendimento europeu.
            Os primeiros projetos de integração surgiram no período entre guerras e tiveram como pano de fundo a experiência da Liga das Nações e o crescente poderio dos EUA no plano internacional. O austríaco Coudenhove-Kalergi propôs que a futura integração deveria basear-se na aliança franco-germânica, enquanto Churchill recomendou a criação dos Estados Unidos da Europa, mas advertiu que o Reino Unido não participaria de tal iniciativa devido à sua vocação imperial. Bélgica, Holanda e Luxemburgo iniciaram, em 1944, entendimentos para o estabelecimento de uma área de livre comércio e de uma união aduaneira, com uma tarifa externa comum imposta aos bens provenientes de outros mercados. O Benelux [iniciais de BELgique/NEtherland/LUXembourg] antecipou, em escala reduzida, certas conquistas que os projetos de integração iriam, nas décadas posteriores, confirmar e ampliar.
            No segundo pós-guerra reaparece o ideal de união fortalecido, em larga medida, pelo temor de que outro conflito viesse a devastar, em curto espaço de tempo, o velho continente.
            No bojo da reconstrução européia foi convocado o Congresso da Europa, que teve lugar em Haia, em 1948. Na oportunidade, o futuro da Europa foi visto a partir de duas óticas distintas. Impressionados pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, os federalistas reivindicaram a substituição das soberanias nacionais por uma federação similar à norte-americana. Já os pragmáticos, que contavam com o apoio dos chefes de Estado e de governo presentes ao encontro, defenderam a cooperação intergovernamental, sem restrição à competência dos Estados. Esta tese, inicialmente vitoriosa, influenciou a criação, em 1949, do Conselho da Europa, que realçou o papel da cooperação nos planos econômico, social, cultural e científico.



      A preocupação em impedir o rearmamento alemão inspirou a divulgação, em 1950, do Plano Chuman, formulado por Jean Monnet, um dos principais políticos franceses. O plano consistia em subordinar a produção do carvão e do aço ao controle de uma autoridade supranacional, o que permitiria simultaneamente o crescimento industrial francês e o uso deles para fins pacíficos por parte da Alemanha. Desde logo, Berlim viu na proposta francesa um meio de recuperar credibilidade internacional. Estava, assim, aberto o caminho para a conclusão, em abril de 1951, do tratado que criou a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA) com a participação da França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Itália.
            A estrutura institucional do Tratado CECA previu a existência de quatro órgãos: a Alta Autoridade, a Assembléia, o Conselho de Ministros e o Tribunal de Justiça. Merece destaque, no quadro orgânico da CECA, a competência atribuída à Alta Autoridade para obrigar os Estados por meio de decisões tomadas pelo princípio da maioria. Reconhecia-se, desse modo, com grande pioneirismo, o caráter de supranacionalidade a uma organização internacional. Cabia ao Conselho de Ministros a tarefa de servir de elo entre a Alta Autoridade e os Estados-membros. A Assembléia, composta por representantes indicados pelos parlamentos nacionais, exercia o controle político, e o Tribunal de Justiça tinha a missão de promover a interpretação uniforme do Tratado CECA e do direito derivado, obra da atividade dos órgãos comunitários.
            Dois tratados celebrados em Roma (1957), deram vida à Comunidade Européia da Energia Atômica (CEEA) e à Comunidade Econômica Européia (CEE), ampliando a cooperação que a CECA havia originariamente propiciado. O objetivo era garantir o uso pacífico da energia nuclear pelos Estados-membros, especialmente a Alemanha, e criar um mercado comum, com a livre circulação das pessoas, serviços, bens e capitais. As elevadas despesas decorrentes da manutenção das três Comunidades, com idêntico aparato orgânico, levaram a Cúpula de Bruxelas de 1965 a adotar uma única estrutura institucional. Na ocasião, a Comissão Européia, órgão de natureza executiva, substituiu as funções da Alta Autoridade e a Assembléia recebeu a denominação de Parlamento. Em 1976, o Conselho de Ministros decidiu que, a partir de 1979, os membros do Parlamento seriam escolhidos por voto direto. No ano seguinte, o Tribunal de Contas incorporou-se ao quadro orgânico comunitário, cabendo-lhe verificar o cumprimento das metas orçamentárias.
            Pouco a pouco as três Comunidades expandem-se com o ingresso de novos membros. A Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca passaram a integrar as Comunidades em 1972; a Grécia torna-se membro em 1981; Portugal e Espanha em 1986; a Áustria, Finlândia e Suécia em 1995. Em 2004, são admitidos dez países: Chipre, Eslovênia, Polônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Estônia, República Checa, Eslováquia e Malta. A Bulgária e a Romênia tornaram-se membros em 1° de janeiro de 2007 ao passo que a Croácia, Macedônia e Turquia participam de negociações com vistas ao eventual ingresso nas Comunidades Européias.
            A década de 1980 viu renascerem os ideais de aprofundamento da integração européia personificados na figura de Jacques Delors. Seu trabalho à frente da Comissão contribuiu decisivamente para a integração européia. O Ato Único de 1986 realizou a primeira modificação dos tratados comunitários e lançou as bases para a futura união econômica e monetária. Fixou- se um prazo final para que se concluísse a construção do mercado comum e para a adoção das medidas destinadas a harmonizar as legislações nacionais. O Ato Único instituiu o Tribunal de Primeira Instância com a clara intenção de auxiliar o funcionamento da Corte de Luxemburgo. Concomitantemente, o Parlamento recebeu novas atribuições no processo de elaboração do direito comunitário.
            O Tratado de Maastricht, firmado em 1992 e em vigor desde 1993, criou a União Européia (UE), composta por relações de cooperação entre os Estados europeus em três campos diferentes: o plano comunitário, que compreende a CECA, a CEE e a CEEA e forma o primeiro pilar, o plano da Política Externa e Segurança Comum (PESC), que constitui o segundo pilar, e o campo da cooperação policial e judiciária em matéria penal, terceiro pilar. Esta conformação institucional significou uma solução de compromisso entre os países que se manifestaram a favor da inserção da política externa no rol das atribuições comunitárias e os Estados que não queriam vincular-se à união econômica e monetária, como o Reino Unido.
            O primeiro pilar possibilitou a formação de organizações supranacionais, que estabelecem o direito comunitário, ao passo que o segundo e o terceiro pilares abrangem relações intergovernamentais, fundadas na diplomacia clássica.A Comunidade Européia (CE), denominação utilizada por Maastricht em substituição às Comunidades Européias, dispõe de personalidade jurídica de direito interno e internacional, podendo estar em juízo, adquirir bens móveis e imóveis, concluir tratados e exercer o direito de legação. Compete à Comissão representá-la nos níveis interno e externo. A supranacionalidade, característica do primeiro pilar, marca a delegação de competências dos Estados aos órgãos comunitários para a realização de finalidades comuns. Surgem, em conseqüência, novas formas de produção normativa, mais aptas a satisfazer os imperativos da integração. O direito internacional clássico requer a concordância dos Estados e a validade das normas que o integram pressupõe, no plano doméstico, a obediência a procedimentos específicos de incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais. Já o direito comunitário, fruto, em grande medida, dos princípios consagrados pelo Tribunal de Luxemburgo, segue, na maior parte dos casos, o critério da maioria e aplica-se aos cidadãos europeus de forma direta e imediata. Resulta da delegação a certos órgãos, criados pelos tratados, de parcela da soberania inerente aos Estados nacionais. São os chamados órgãos supranacionais, que possuem importância fundamental na consecução dos objetivos comunitários. No segundo e no terceiro pilares, que não exibem a nota da supranacionalidade, a validade interna das normas internacionais subordina-se aos procedimentos de incorporação nos termos previstos pelos diferentes sistemas jurídicos nacionais.
            As competências da UE organizam-se com base em dois princípios: o princípio das competências atribuídas e o princípio da subsidiariedade. Pelo primeiro, a UE, diversamente dos Estados, não tem competências genéricas, mas específicas, limitadas a concretizar os objetivos constantes dos tratados. Segundo a teoria dos poderes implícitos, desenvolvida pelo Tribunal de Luxemburgo, a outorga de competência às instituições confere-lhes, automaticamente, os meios para adotar as medidas apropriadas para cumprirem as metas que lhes foram confiadas. Os fins que os tratados indicam circunscrevem a liberdade de ação da UE e impedem a prática de atos que deles se distanciem. O princípio da subsidiariedade, por outro lado, procura compatibilizar a ação de Bruxelas com a atividade dos Estados-membros. Nesse sentido, Bruxelas só intervirá nas situações cujos efeitos venham a repercutir no plano comunitário ou que, pela sua natureza, ultrapassem as dimensões nacionais.
            As competências da UE podem ser exclusivas ou concorrentes com os Estados- membros. A competência exclusiva afasta a intervenção estatal, como sucede, por exemplo, no campo da união aduaneira, concorrência e política comercial comum. Na hipótese de competências concorrentes, os órgãos comunitários atuam quando os Estados não legislarem ou legislarem de modo insuficiente em áreas tais como meio ambiente, políticas sociais, tecnologia, saúde, educação e proteção ao consumidor.
            O Tratado de Maastricht originou a união econômica e monetária, baseada no euro, a moeda única européia. Os países desejosos de integrar a zona do euro devem respeitar os requisitos estabelecidos pelo pacto de estabilidade: controle da inflação e déficit público em níveis previamente estabelecidos. O Banco Central Europeu executa a política monetária a fim de manter os preços sob controle e preservar o poder de compra da nova moeda.
            A política externa e de segurança comum, objeto do segundo pilar, visa assinalar a especificidade da posição européia no contexto internacional. Esta meta, só parcialmente alcançada, almejou, no âmbito intergovernamental, superar as discórdias em busca de uma visão comum sobre os principais problemas internacionais. O Tratado de Maastricht previu a noção de cidadania européia, posteriormente desenvolvida no Tratado de Amsterdã. Ela é um vínculo jurídico-político, complementar à cidadania original, a unir um indivíduo, nacional de algum Estado da União, com qualquer outro Estado que a integra. A cidadania européia confere ao seu titular o direito de ir e vir no espaço europeu assegurando-lhe o direito de votar e ser votado tanto nos pleitos municipais quanto nas eleições para o Parlamento Europeu, independentemente do local de residência. O cidadão europeu que resida no exterior poderá solicitar proteção diplomática a qualquer Estado-parte da União se não existir no território do país onde viva missão diplomática do seu Estado de origem. O direito de petição aos órgãos comunitários, com a garantia da devida resposta, integra, igualmente, a cidadania européia. O combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas e à xenofobia, entre outros, ensejaram o aprofundamento da cooperação judiciária em matéria penal.
            O Tratado de Amsterdã consolidou os tratados anteriores e deu especial atenção à cidadania européia. A questão da legitimidade democrática, presente desde os anos 70 no debate europeu, voltou à baila na década de 1990, em virtude do aumento das competências das instituições comunitárias. Atento a essa problemática, o Tratado de Amsterdã ampliou os poderes do Parlamento em matéria de co-decisão. A democracia, as liberdades fundamentais, os direitos humanos e o Estado de direito constituem os valores que a União deve realizar. O Conselho da União Européia, após ouvir o Parlamento, poderá determinar a suspensão de certos direitos do Estado que violar tais princípios. O mecanismo da cooperação reforçada, previsto em 1997, viabilizou a conclusão, por número limitado de Estados, de acordos parciais, em nítido reconhecimento de que a União caminha em velocidades variadas.
            O Tratado de Nice de 2001 legitimou o Parlamento para propor ação de nulidade dos atos comunitários e para solicitar parecer prévio ao Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de um acordo internacional com os tratados que regem o funcionamento da União. A competência do Tribunal de Primeira Instância foi ampliada para abranger as ações de responsabilidade e de nulidade por omissão. O grande desafio com que se defrontavam os líderes europeus era, contudo, preparar o alargamento da União para incorporar os antigos países comunistas, que pertenciam ao domínio soviético. A implantação de regimes democráticos e a adoção da economia de mercado foram os requisitos cumpridos pelos dez Estados que aderiram ao bloco europeu em 2004. Paralelamente, a Declaração de Laeken de 2001 salientou o propósito de se superarem definitivamente as divisões do segundo pós-guerra.
            O Tratado Constitucional da União Européia, firmado em Roma em 29 de outubro de 2004, jamais entrou em vigor devido a rejeição da França e da Holanda, após consulta aos cidadãos daqueles países em plebiscitos realizados para este fim. Os Estados-membros da União Européia decidiram, em conseqüência celebrar um novo tratado em outubro de 2007 com o propósito de criar uma constituição para a Europa, nos moldes pretendidos pelo Tratado de Roma de 2004. O Tratado reformador da União Européia fixa as competências exclusivas e concorrentes da União, além de conter uma carta de direitos fundamentais.
O Tratado Constitucional da União Europeia, firmado em Roma em 29 de outubro de 2004, fixa as competências exclusivas e concorrentes da União, além de conter uma
carta de direitos fundamentais. A UE terá personalidade jurídica de direito internacional e será representada por um presidente, com mandato de dois anos e meio, com direito
a reeleição, escolhido pelos 25 países e aprovado pelo Parlamento europeu. Haverá, pela primeira vez, um ministro das Relações Exteriores, que exercerá o cargo de vice-presidente da União. Intensificou-se a cooperação no campo da defesa ao se estipular a solidariedade em caso de ataque terrorista e catástrofe natural ou humana. Impedem-se os vetos nacionais em domínios como política de imigração e asilo. As decisões do Conselho de Ministros serão tomadas, pelo menos, por 55% dos países, correspondendo a 65% da população. Até 2014 cada país tem o direito de indicar um comissário. A partir daquela data, a Comissão será composta por 18 membros, escolhidos com base em uma rotação igualitária. O número máximo de deputados do Parlamento Europeu não ultrapassará 750, com um máximo de 96 e um mínimo de seis por país. Cada Estado disporá de um prazo de dois anos para adaptar o seu ordenamento jurídico à nova Constituição.

AMARAL JUNIOR, Alberto do. Manual do candidato: noções de direito e direito internacional. 4. ed. atual. – Brasília : FUNAG, 2012. pp. 181-196.

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