A Europa realizou, até agora, a mais ampla e bem
sucedida experiência de integração. A instituição do mercado comum e
da união econômica e monetária, além do aparecimento da concepção de
cidadania européia e da elaboração de complexo aparato institucional,
dá a dimensão exata dos avanços já obtidos. O sentimento de um destino comum a
ser compartilhado e a convicção de que a Europa é uma individualidade
histórica, com valores próprios que necessitam ser preservados, representam
forças poderosas a motivar os países para a consecução do empreendimento
europeu.
Os
primeiros projetos de integração surgiram no período entre guerras e tiveram
como pano de fundo a experiência da Liga das Nações e o crescente poderio dos
EUA no plano internacional. O austríaco Coudenhove-Kalergi propôs que a futura
integração deveria basear-se na aliança
franco-germânica, enquanto Churchill recomendou a criação dos Estados Unidos da
Europa, mas advertiu que o Reino Unido não participaria de tal iniciativa
devido à sua vocação imperial. Bélgica, Holanda e Luxemburgo iniciaram, em
1944, entendimentos para o estabelecimento de uma área de livre comércio e
de uma união aduaneira, com uma tarifa externa comum imposta aos bens
provenientes de outros mercados. O Benelux [iniciais de BELgique/NEtherland/LUXembourg]
antecipou, em escala reduzida, certas conquistas que
os projetos de integração iriam, nas décadas posteriores, confirmar e ampliar.
No segundo pós-guerra reaparece o ideal de união
fortalecido, em larga medida, pelo temor de que outro conflito
viesse a devastar, em curto espaço de tempo, o velho
continente.
No bojo da reconstrução
européia foi convocado o Congresso da Europa, que teve lugar em Haia,
em 1948. Na oportunidade, o futuro da Europa foi visto a partir de duas
óticas distintas. Impressionados pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, os
federalistas reivindicaram a substituição das soberanias nacionais por uma
federação similar à norte-americana. Já os pragmáticos, que contavam com o apoio dos chefes de Estado
e de governo presentes ao encontro, defenderam a cooperação intergovernamental, sem
restrição à competência dos Estados. Esta tese, inicialmente vitoriosa, influenciou a criação,
em 1949, do Conselho da Europa, que realçou o papel da cooperação nos planos
econômico, social, cultural e científico.
A preocupação
em impedir o rearmamento alemão inspirou a
divulgação, em 1950, do Plano Chuman,
formulado por Jean Monnet, um dos principais políticos franceses. O
plano consistia em subordinar a produção do carvão e do aço ao controle de uma
autoridade supranacional, o que permitiria simultaneamente o crescimento
industrial francês e o uso deles para fins pacíficos por parte da
Alemanha. Desde logo, Berlim viu na proposta francesa um meio de recuperar
credibilidade internacional. Estava, assim, aberto o caminho para a conclusão, em
abril de 1951, do tratado que criou a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA) com a
participação da França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Itália.
A estrutura institucional do
Tratado CECA previu a existência de quatro órgãos: a Alta Autoridade, a
Assembléia, o Conselho de Ministros e o Tribunal de Justiça. Merece destaque,
no quadro orgânico da CECA, a
competência atribuída à Alta Autoridade
para obrigar os Estados por meio de decisões tomadas pelo princípio da maioria.
Reconhecia-se, desse modo, com grande pioneirismo, o caráter de
supranacionalidade a uma organização internacional. Cabia ao Conselho de
Ministros a tarefa de servir de elo entre a Alta Autoridade e os
Estados-membros. A Assembléia, composta por representantes indicados pelos
parlamentos nacionais, exercia o controle político, e o Tribunal de Justiça
tinha a missão de promover a interpretação uniforme do Tratado CECA e do direito derivado, obra da atividade
dos órgãos comunitários.
Dois tratados celebrados em
Roma (1957), deram vida à Comunidade Européia da Energia Atômica (CEEA) e à Comunidade Econômica Européia (CEE), ampliando a cooperação que a CECA havia originariamente propiciado. O objetivo era garantir o uso
pacífico da energia nuclear pelos Estados-membros, especialmente a Alemanha,
e criar um mercado comum, com a livre circulação das pessoas, serviços, bens e
capitais. As elevadas despesas decorrentes da manutenção das três
Comunidades, com idêntico aparato orgânico, levaram a Cúpula de Bruxelas de
1965 a adotar uma única estrutura institucional. Na ocasião, a Comissão
Européia, órgão de natureza executiva, substituiu as funções da Alta Autoridade
e a Assembléia recebeu a denominação de Parlamento. Em 1976, o Conselho de
Ministros decidiu que, a partir de 1979, os membros do Parlamento seriam
escolhidos por voto direto. No ano seguinte, o Tribunal de Contas
incorporou-se ao quadro orgânico comunitário, cabendo-lhe verificar o
cumprimento das metas orçamentárias.
Pouco a pouco as três
Comunidades expandem-se com o ingresso de novos membros. A Grã-Bretanha,
Irlanda e Dinamarca passaram a integrar as Comunidades em 1972; a Grécia
torna-se membro em 1981; Portugal e Espanha em 1986; a Áustria,
Finlândia e Suécia em 1995. Em 2004, são admitidos dez países: Chipre, Eslovênia,
Polônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Estônia, República Checa, Eslováquia e
Malta. A Bulgária e a Romênia tornaram-se membros em 1° de janeiro de 2007 ao
passo que a Croácia, Macedônia e Turquia participam de negociações com vistas
ao eventual ingresso nas Comunidades Européias.
A década de 1980 viu renascerem
os ideais de aprofundamento da integração européia personificados na figura de
Jacques Delors. Seu trabalho à frente da Comissão contribuiu decisivamente para
a integração européia. O Ato Único de 1986 realizou a primeira
modificação dos tratados comunitários e lançou as bases para a futura união
econômica e monetária. Fixou- se um prazo final para que se concluísse a
construção do mercado comum e para a adoção das medidas destinadas a
harmonizar as legislações nacionais. O Ato Único instituiu o Tribunal de
Primeira Instância com a clara intenção de auxiliar o funcionamento da
Corte de Luxemburgo. Concomitantemente, o Parlamento recebeu novas atribuições
no processo de elaboração do direito comunitário.
O Tratado de Maastricht,
firmado em 1992 e em vigor desde 1993, criou a União Européia (UE),
composta por relações de cooperação entre os Estados europeus em três campos
diferentes: o plano comunitário,
que compreende a CECA, a CEE e a CEEA e forma o primeiro pilar, o plano da Política Externa e Segurança
Comum (PESC), que constitui o segundo pilar, e o campo da cooperação policial e judiciária em matéria
penal, terceiro pilar. Esta conformação institucional significou uma
solução de compromisso entre os países que se manifestaram a favor da inserção
da política externa no rol das atribuições comunitárias e os Estados que não
queriam vincular-se à união econômica e monetária, como o Reino Unido.
O primeiro pilar
possibilitou a formação de organizações supranacionais, que estabelecem o
direito comunitário, ao passo que o
segundo e o terceiro pilares abrangem relações intergovernamentais, fundadas na diplomacia clássica.A Comunidade
Européia (CE), denominação utilizada por Maastricht em substituição às Comunidades Européias, dispõe de
personalidade jurídica de direito interno e internacional, podendo estar em
juízo, adquirir bens móveis e imóveis, concluir tratados e exercer o direito de
legação. Compete à Comissão representá-la nos níveis interno e externo. A
supranacionalidade, característica do primeiro pilar, marca a delegação de
competências dos Estados aos órgãos comunitários para a realização de
finalidades comuns. Surgem, em conseqüência, novas formas de produção
normativa, mais aptas a satisfazer os imperativos da integração. O direito
internacional clássico requer a concordância dos Estados e a validade das
normas que o integram pressupõe, no plano doméstico, a obediência a
procedimentos específicos de incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais.
Já o direito comunitário, fruto, em grande medida, dos princípios consagrados
pelo Tribunal de Luxemburgo, segue, na maior parte dos casos, o critério da
maioria e aplica-se aos cidadãos europeus de forma direta e imediata. Resulta
da delegação a certos órgãos, criados pelos tratados, de parcela da soberania
inerente aos Estados nacionais. São os chamados órgãos supranacionais, que
possuem importância fundamental na consecução dos objetivos comunitários. No
segundo e no terceiro pilares, que não exibem a nota da supranacionalidade, a
validade interna das normas internacionais subordina-se aos procedimentos de
incorporação nos termos previstos pelos diferentes sistemas jurídicos
nacionais.
As competências da UE
organizam-se com base em dois princípios: o princípio das competências
atribuídas e o princípio da subsidiariedade. Pelo primeiro, a UE, diversamente dos Estados, não tem competências
genéricas, mas específicas, limitadas a concretizar os objetivos constantes dos
tratados. Segundo a teoria dos poderes implícitos, desenvolvida pelo Tribunal
de Luxemburgo, a outorga de competência às instituições confere-lhes,
automaticamente, os meios para adotar as medidas apropriadas para cumprirem as
metas que lhes foram confiadas. Os fins que os tratados indicam circunscrevem a
liberdade de ação da UE e impedem a prática de atos que deles se distanciem. O
princípio da subsidiariedade, por outro lado, procura compatibilizar a ação de
Bruxelas com a atividade dos Estados-membros. Nesse sentido, Bruxelas só intervirá
nas situações cujos efeitos venham a repercutir no plano comunitário ou que,
pela sua natureza, ultrapassem as dimensões nacionais.
As competências da UE podem ser
exclusivas ou concorrentes com os Estados- membros. A competência exclusiva
afasta a intervenção estatal, como sucede, por exemplo, no campo da união
aduaneira, concorrência e política comercial comum. Na hipótese de competências
concorrentes, os órgãos comunitários atuam quando os Estados não legislarem ou
legislarem de modo insuficiente em áreas tais como meio ambiente, políticas
sociais, tecnologia, saúde, educação e proteção ao consumidor.
O Tratado de Maastricht
originou a união econômica e monetária, baseada no euro, a moeda única européia. Os países desejosos de integrar a zona do euro devem
respeitar os requisitos estabelecidos pelo pacto de estabilidade: controle da
inflação e déficit público em níveis previamente estabelecidos. O Banco Central
Europeu executa a política monetária a fim de manter os preços sob controle e
preservar o poder de compra da nova moeda.
A política externa e de
segurança comum, objeto do segundo pilar, visa assinalar a especificidade da
posição européia no contexto internacional. Esta meta, só parcialmente
alcançada, almejou, no âmbito intergovernamental, superar as discórdias em
busca de uma visão comum sobre os principais problemas internacionais. O
Tratado de Maastricht previu a noção de cidadania européia, posteriormente
desenvolvida no Tratado de Amsterdã. Ela é um vínculo jurídico-político,
complementar à cidadania original, a unir um indivíduo, nacional de algum
Estado da União, com qualquer outro Estado que a integra. A cidadania européia
confere ao seu titular o direito de ir e vir no espaço europeu assegurando-lhe
o direito de votar e ser votado tanto nos pleitos municipais quanto nas
eleições para o Parlamento Europeu, independentemente do local de residência. O
cidadão europeu que resida no exterior poderá solicitar proteção diplomática a
qualquer Estado-parte da União se não existir no território do país onde viva
missão diplomática do seu Estado de origem. O direito de petição aos órgãos
comunitários, com a garantia da devida resposta, integra, igualmente, a
cidadania européia. O combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas e à
xenofobia, entre outros, ensejaram o aprofundamento da cooperação judiciária em
matéria penal.
O Tratado de Amsterdã
consolidou os tratados anteriores e deu especial atenção à cidadania européia.
A questão da legitimidade democrática, presente desde os anos 70 no debate europeu,
voltou à baila na década de 1990, em virtude do aumento das competências das
instituições comunitárias. Atento a essa problemática, o Tratado de Amsterdã
ampliou os poderes do Parlamento em matéria de co-decisão. A democracia, as
liberdades fundamentais, os direitos humanos e o Estado de direito constituem
os valores que a União deve realizar. O Conselho da União Européia, após ouvir
o Parlamento, poderá determinar a suspensão de certos direitos do Estado que
violar tais princípios. O mecanismo da cooperação reforçada, previsto em 1997,
viabilizou a conclusão, por número limitado de Estados, de acordos parciais, em
nítido reconhecimento de que a União caminha em velocidades variadas.
O Tratado de Nice de 2001
legitimou o Parlamento para propor ação de nulidade dos atos comunitários e
para solicitar parecer prévio ao Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de
um acordo internacional com os tratados que regem o funcionamento da União. A
competência do Tribunal de Primeira Instância foi ampliada para abranger as
ações de responsabilidade e de nulidade por omissão. O grande desafio com que
se defrontavam os líderes europeus era, contudo, preparar o alargamento da
União para incorporar os antigos países comunistas, que pertenciam ao domínio
soviético. A implantação de regimes democráticos e a adoção da economia de
mercado foram os requisitos cumpridos pelos dez Estados que aderiram ao bloco
europeu em 2004. Paralelamente, a Declaração de Laeken de 2001 salientou o
propósito de se superarem definitivamente as divisões do segundo pós-guerra.
O Tratado Constitucional da
União Européia, firmado em Roma em 29 de outubro de 2004, jamais entrou em
vigor devido a rejeição da França e da Holanda, após consulta aos cidadãos
daqueles países em plebiscitos realizados para este fim. Os Estados-membros da
União Européia decidiram, em conseqüência celebrar um novo tratado em outubro
de 2007 com o propósito de criar uma constituição para a Europa, nos moldes
pretendidos pelo Tratado de Roma de 2004. O Tratado reformador da União
Européia fixa as competências exclusivas e concorrentes da União, além de
conter uma carta de direitos fundamentais.
O Tratado Constitucional
da União Europeia, firmado em Roma em 29 de outubro de 2004, fixa as
competências exclusivas e concorrentes da União, além de conter uma
carta de direitos
fundamentais. A UE terá personalidade jurídica de direito internacional e será
representada por um presidente, com mandato de dois anos e meio, com direito
a reeleição, escolhido pelos
25 países e aprovado pelo Parlamento europeu. Haverá, pela primeira vez, um
ministro das Relações Exteriores, que exercerá o cargo de vice-presidente da
União. Intensificou-se a cooperação no campo da defesa ao se estipular a
solidariedade em caso de ataque terrorista e catástrofe natural ou humana.
Impedem-se os vetos nacionais em domínios como política de imigração e asilo.
As decisões do Conselho de Ministros serão tomadas, pelo menos, por 55% dos
países, correspondendo a 65% da população. Até 2014 cada país tem o direito de indicar
um comissário. A partir daquela data, a Comissão será composta por 18 membros,
escolhidos com base em uma rotação igualitária. O número máximo de deputados do
Parlamento Europeu não ultrapassará 750, com um máximo de 96 e um mínimo de
seis por país. Cada Estado disporá de um prazo de dois anos para adaptar o seu
ordenamento jurídico à nova Constituição.
AMARAL JUNIOR, Alberto do. Manual do candidato: noções de direito e direito internacional. 4.
ed. atual. – Brasília : FUNAG, 2012. pp. 181-196.
Livro disponível para baixar em: http://www.funag.gov.br/biblioteca/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=607&Itemid=41
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