A estabilidade no emprego é o
sonho de milhares de trabalhadores que batalham por uma vaga no serviço
público. A garantia protege o servidor de pressões hierárquicas e políticas.
Resguarda também a própria administração, assegurando a continuidade dos serviços.
As críticas à estabilidade
funcional são inúmeras. Muitos acreditam que ela favorece a baixa qualidade do
serviço público, uma vez que o servidor estável não teria compromisso com
produtividade e eficiência. Contudo, a própria legislação traz uma série de
deveres e proibições que, se não observados, geram punição. Da simples
advertência à demissão, tudo depende da natureza e da gravidade da infração, do
dano causado, das circunstâncias e dos antecedentes funcionais.
Em 2011, a administração pública
federal aplicou 564 punições administrativas expulsivas do serviço público.
Foram 469 demissões, 38 cassações de aposentadoria e 57 destituições. Até
setembro de 2012, foram mais 394 expulsões. Desde 2003, quando a Controladoria
Geral da União (CGU) começou a registrar os dados, foram aplicadas 3.927
penalidades máximas.
De acordo com o relatório da CGU,
entre 2003 e 2011, quase 32% das punições foram aplicadas por uso indevido do
cargo público e 19% por improbidade administrativa. Abandono de cargo (falta
injustificada por mais de 30 dias consecutivos) motivou 8,6% das expulsões,
seguido de recebimento de propina (5,5%) e desídia (4,8%), que é desleixo,
negligência ou descaso com o trabalho. Os outros 30% saíram por motivos
variados, como acumulação ilegal de cargos, aplicação irregular de dinheiro
público e dilapidação de patrimônio.
Legislação
O artigo 41 da Constituição
Federal (CF) estabelece que o servidor é estável após três anos de exercício no
cargo. A partir daí, só pode perder o emprego em três hipóteses: por decisão
judicial transitada em julgado, após processo administrativo em que lhe seja
assegurada ampla defesa e mediante procedimento de avaliação periódica de
desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.
A Lei 8.112/90 – Estatuto do
Servidor – traz no artigo 116 os deveres dos servidores públicos, e no artigo
117 lista as proibições. As penalidades, no artigo 127, são seis: advertência,
suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição
de cargo em comissão e de função comissionada. Já o artigo 132 estabelece os
casos em que deve ser aplicada a pena de demissão.
O servidor que descumprir seus
deveres ou violar as proibições pode ser punido administrativamente, por meio
de Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Geralmente, quem é punido nessa
esfera recorre ao Judiciário, principalmente quando aplicadas as penas mais
graves, que são demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade.
Na administração federal, as
demissões são efetivadas com a publicação de portaria assinada pelo ministro de
estado ao qual está subordinado o órgão do servidor. O ato do ministro é
contestado no STJ por meio de mandado de segurança. A competência para julgar
esses processos é atualmente da Primeira Seção, especializada em direito
público.
Até abril de 2010, tais casos
competiam à Terceira Seção, especializada em matéria penal, que também julgavam
questões relativas a servidores públicos. Para conter a sobrecarga de processos
no colegiado penal, o regimento interno foi alterado, mas a Terceira Seção
permaneceu com os casos que já haviam sido distribuídos antes da mudança.
Só este ano, o STJ julgou quase
cem processos de servidores contra demissões aplicadas pela administração.
Confira as principais decisões.
Demissão obrigatória
A Primeira Seção consolidou o
entendimento de que "a administração pública, quando se depara com
situações em que a conduta do investigado se amolda às hipóteses de demissão ou
cassação de aposentadoria, não dispõe de discricionariedade para aplicar pena
menos gravosa por se tratar de ato vinculado" – ou seja, é obrigada a
demitir.
Com base nessa tese, a Seção
manteve a demissão de agentes administrativos do Ministério da Fazenda. Eles
permitiram o pagamento irregular de valores retroativos a aposentados em
processos fraudulentos, inclusive com falsificação de assinaturas e de
portarias.
Eles alegaram falta de
proporcionalidade e razoabilidade na punição, e inexistência de prejuízo ao
erário. Para a maioria dos ministros, o prejuízo é evidente, porque os valores
indevidos foram pagos e não retornaram aos cofres públicos. Entenderam que ficou
comprovada a gravidade das condutas apuradas e que a pena de demissão foi
adequadamente aplicada.
Nesse caso, o ministro Napoleão
Nunes Maia Filho ficou vencido. Ele concedia a segurança para reintegração dos
demitidos, permitindo a aplicação de pena menos severa. O ministro considerou
que os servidores tinham mais de 34 anos de serviço público sem punição
administrativa anterior (MS 12.200).
Improbidade administrativa
A Primeira Seção decidiu que é
possível condenar servidor à cassação de aposentadoria em PAD por fato previsto
na Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei 8.429/92). Para a maioria dos
ministros, não há incompatibilidade entre o artigo 20 da LIA e os artigos 127 e
132 da Lei 8.112.
Com esse entendimento, a Seção
manteve a cassação de aposentadoria de ex-auditor fiscal da Receita Federal,
condenado em PAD por deixar de lançar tributos em benefício de diversas
empresas. Incialmente, a comissão impôs a pena de demissão do servidor.
Como ele aposentou-se antes da
conclusão do PAD, houve retificação do ato para cassar a aposentadoria. De
acordo com o artigo 134 da Lei 8.112, “será cassada a aposentadoria ou a
disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível
com a demissão”.
O ministro Herman Benjamin, relator
do caso, destacou que o artigo 132, inciso IV, do Estatuto do Servidor prevê a
pena de demissão para servidores que tenham incidido em improbidade
administrativa. “A redação é anterior à atual Lei 8.429, mas está distante de
significar ausência de tipicidade da conduta”, afirmou no voto.
Segundo Benjamin, da
interpretação sistemática do artigo 20 da LIA, combinado com os artigos 37 e 41
da Constituição e a Lei 8.112, conclui-se que não foi abolido nenhum
dispositivo legal que estabeleça pena de demissão. “É inconcebível que uma lei
redigida para coibir com maior rigor a improbidade administrativa no nosso país
tenha terminado por enfraquecer sua perquirição”, analisou.
“O artigo 20 não está dizendo que
é só por sentença transitada em julgado que se pode demitir. O que ele está
dizendo é que a pena de demissão imposta numa ação de improbidade só se efetiva
depois do trânsito em julgado”, complementou o ministro Teori Zavascki (MS
16.418).
Pena mais grave
O servidor público pode sofrer
pena ainda mais grave do que a sugerida por comissão disciplinar. A Terceira
Seção manteve pena de demissão a ex-servidor da Previdência Social, apesar de a
comissão de processo disciplinar ter sugerido a aplicação de 90 dias de
suspensão. Seguindo voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a Seção
reconheceu que a imposição da pena mais grave pelo ministro de estado foi
fundamentada na existência de dolo por parte do ex-servidor e na gravidade da
infração.
No caso, um técnico do seguro
social foi apontado em operação da Polícia Federal como envolvido em
irregularidades na concessão de benefícios previdenciários. A comissão
disciplinar concluiu pela responsabilidade do servidor e sugeriu a pena se
suspensão. No entanto, a Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência
Social concluiu que deveria ser aplicada a pena de demissão.
Ao analisar mandado de segurança
do ex-servidor, o ministro Bellizze constatou que o ministro de estado nada
mais fez do que aplicar a previsão contida no artigo 168 da Lei 8.112, segundo
o qual, “quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a
autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta,
abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade” (MS 14.856).
Punição cumprida e depois agravada
Em outro caso, um analista
ambiental contestou sua demissão após o cumprimento de punição imposta
anteriormente pelo mesmo fato. O PAD que apurou a prática de concessões
irregulares de licenças e autorizações ambientais aplicou suspensão de 75 dias,
depois convertida em multa. Após o pagamento, a CGU entendeu que era caso de
demissão e determinou a substituição da pena.
Nessas situações, a Terceira
Seção entende que, após o encerramento do PAD, não é possível agravar a
penalidade imposta, mesmo que a sanção aplicada não esteja em conformidade com
a lei ou norma interna. Essa posição tem amparo na Súmula 19 do Supremo
Tribunal Federal (STF), que não admite segunda punição de servidor público,
decorrente do mesmo processo em que se baseou a primeira.
Além disso, o STJ entende que o
PAD só pode ser anulado quando for constatada a ocorrência de vício insanável,
ou revisto quando apresentados fatos novos ou circunstâncias posteriores que
justifiquem a inocência do servidor punido ou a inadequação da penalidade, que
não pode ser agravada. Assim, o analista ambiental foi reconduzido ao cargo (MS
10.950).
PAD contra ex-servidor
A administração pública é
obrigada a apurar, por meio de sindicância ou PAD, a responsabilidade
civil-administrativa de servidor resultante de sua atuação no exercício do
cargo. Caso não o faça, a autoridade competente comete o crime de
“condescendência criminosa”, tipificado no artigo 320 do Código Penal.
Com base nessa regra, a Terceira
Seção entende que a necessidade de apuração de irregularidades não exclui
ex-servidor, que pode ser investigado administrativamente por condutas
praticadas quando exerceu o cargo público. Embora não seja mais possível
aplicar pena administrativa, a apuração pode ter outros desdobramentos, como
remessa de relatório ao Ministério Público para eventual propositura de ação
penal ou ação de reparação de danos civis, por exemplo.
Por essa razão, a Seção manteve
um PAD instaurado em 2008 contra um procurador federal demitido em 2002. Ele
alegou que, sendo ex-servidor, não poderia ser alvo de investigação
administrativa. Mas o argumento foi rejeitado (MS 13.916).
Imparcialidade
O servidor que responde a um PAD
tem a garantia de imparcialidade dos integrantes da comissão processante. Outro
servidor que realizou a sindicância para apurar os fatos ilícitos e emitiu
juízo sobre a possível responsabilidade do investigado não pode determinar a
instauração do processo e aprovar seu relatório final.
Com esse entendimento, a Terceira
Seção anulou, desde sua instauração, um PAD que havia concluído pela demissão
de auditor fiscal da Receita Federal. Os ministros não aceitaram que o mesmo
servidor destacado para realização da sindicância tivesse instaurado o
processo, designado a comissão e aprovado seu relatório final.
Os ministros consideraram que a
instauração do PAD envolve, ainda que em caráter preliminar, juízo de
admissibilidade, em que é verificada a existência de indícios suficientes da
ocorrência de transgressão funcional. Por isso, a legislação traz diversos
dispositivos que rejeitam a participação de quem está pessoalmente envolvido
nos fatos, comprometendo a imparcialidade da atuação administrativa (MS
15.107).
Proporcionalidade da pena
Uma juíza instaurou processo
disciplinar contra um escrivão devido ao arquivamento irregular de 48 cartas
precatórias, ocorrido em 1991. A publicação da portaria que o demitiu foi
publicada mais de dez anos após o ato de suposta desídia.
Como o crime cometido era de
prevaricação, com pena de um ano de detenção, a Segunda Turma entendeu que a
pretensão punitiva já estava prescrita. Segundo o artigo 109, inciso V, do
Código Penal, ocorre a prescrição da pretensão punitiva em quatro anos quando a
pena máxima for de um ano ou, sendo superior, não excede a dois anos.
Além disso, os ministros
consideraram “anormal e inadequada” a penalidade de demissão imposta a um
servidor com 35 anos de serviços prestados. Conforme o apurado, ele teria
deixado de praticar ato de ofício em 1991, consistente em não providenciar os
atos que lhe competiam por dever nas respectivas precatórias, só para evitar
gastos como despesas de correio. Essa conduta não está entre as hipóteses para
as quais a lei prevê a pena de demissão (RMS 27.632).
Fonte: STJ.
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