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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo nos delitos contra a ordem tributária

             A pena é a consequência natural do exercício do ius puniendi do Estado em face da prática de uma conduta típica, antijurídica e culpável. Contudo, diante de certas situações previstas na legislação, o Estado pode abrir mão ou ficar impedido de exercer seu poder de punir, mesmo que reste perfeitamente configurada a infração penal. A cada uma dessas situações dá-se o nome de causa extintiva da punibilidade [1].
No âmbito do direito penal tributário, além das hipóteses usuais de extinção da punibilidade (art. 107 do CP), existe uma que tem causado muita polêmica na doutrina e jurisprudência: a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo nos delitos contra a ordem tributária.
             Uma das razões para a divergência é a indefinição do legislador quanto à utilização de mecanismos típicos de direito penal no combate aos ilícitos tributários, ora inclinando-se para uma maior incidência de institutos penalizadores, ora dando maior relevo à repercussão meramente econômica desses ilícitos.
             A discussão é assim resumida por Hugo de Brito Machado[2], que anota a dualidade de posições quanto à necessidade/utilidade da criminalização do ilícito tributário:
De um lado os que pretendem um direito penal desprovido de utilitarismo, sustentando que admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento implica favorecer os mais abastados, que poderão livrar-se da sanção pagando o tributo cobrado. De outro, os que sustentam que a criminalização do ilícito tributário é, na verdade, desprovida de conteúdo ético, prestando-se mesmo como instrumento para compelir o contribuinte ao pagamento do tributo e que, por isto, deve ser premiado o que paga porque permite seja alcançado o objetivo a final buscado com a cominação da sanção penal.
             A previsão do pagamento como causa extintiva da punibilidade foi trazida primeiramente pela Lei n. 4.729/65, que possibilitava a extinção da punibilidade sempre que o agente promovesse “o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria” (art. 2º).
             Posteriormente, esse dispositivo foi revogado pela Lei n. 8.137/90, que definiu os crimes contra a ordem tributária. Essa lei, mais generosa que a anterior, possibilitava a extinção da punibilidade se o pagamento fosse feito em momento anterior ao recebimento da denúncia, conforme enuncia seu art. 14:
Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1° a 3° quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
             Exatamente um ano depois da promulgação da Lei n. 8.137/90, precisamente em 30 de dezembro de 1991, foi editada a Lei n. 8.383/91, revogando expressamente o art. 14 e extirpando do sistema a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. Do ponto de vista garantista, de um direito penal de ultima ratio, a medida constituiu nítido retrocesso, demonstrando mais uma vez que a matéria é norteada mais por seus efeitos sobre as contas públicas do que pelo desvalor da conduta, de per si.
             Não tardou muito para que em 1995 a Lei n. 9.249 (art. 34) reintroduzisse no ordenamento a previsão outrora revogada, restabelecendo a hipótese de extinção da punibilidade pelo pagamento, nos exatos termos da lei revogada.
Mais recentemente, o assunto foi outra vez objeto de modificação legislativa, sendo tratado pela Lei nº 10.684/03:
§ 2º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
             Esta última lei, ao silenciar-se acerca da ocasião oportuna para o pagamento, permitiu à jurisprudência interpretá-la no sentido de que, pago o tributo, independente do momento, fica extinta a punibilidade. Com efeito, esse foi o entendimento firmado na jurisprudência, a partir de precedente do STF[3]:
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário. (HC 81929, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Rel. p/ acórdão:  Min. CEZAR PELUSO, Primeira Turma, julgado em 16/12/2003).
             Atualmente, portanto, ao menos até a próxima mutação legislativa, o pagamento integral do tributo tem como consequência inexorável a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, não importando o momento em que seja efetuado, podendo-se advogar, inclusive, que a extinção possa ocorrer após o trânsito em julgado e mesmo durante o cumprimento da pena.
             A consequência negativa dessa sistemática que utiliza o direito penal como meio intimidatório visando exclusivamente o pagamento do tributo, liberando o agente das consequências penais mediante o simples pagamento, privilegia o contribuinte infrator na medida em que permite sonegar sem maiores consequências, salvo o pagamento que já deveria ter ocorrido ab initio [4].

BIBLIOGRAFIA
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Caso Marcos Valério. Crime previdenciário, pagamento e extinção da punibilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1660, 17 jan. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/10860>. Acesso em: 19 fev. 2011.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, vol. I. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
MACHADO, Hugo de Brito. Ilícito Tributário. In: Curso de Direito Tributário.  São Paulo: Ed. Malheiros.  31ª ed. Revista atualizada e  ampliada,  Capítulo  III,  p.  509  e  ss. Material  da  1ª  aula  da  Disciplina  Direito  Internacional Tributário  e  Direito  Penal  Tributário,  ministrada  no  Curso de   Pós-Graduação   Lato   Sensu   TeleVirtual   em   Direito Tributário – Universidade Anhanguera-Uniderp | REDE LFG.


[1] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, vol. I. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 709.
[2] Ilícito Tributário. In: Curso de Direito Tributário.  São Paulo: Ed. Malheiros.  31ª ed. Revista atualizada e  ampliada,  Capítulo  III,  p.  509  e  ss. Material  da  1ª  aula  da  Disciplina  Direito  Internacional Tributário  e  Direito  Penal  Tributário,  ministrada  no  Curso de   Pós-Graduação   Lato   Sensu   TeleVirtual   em   Direito Tributário – Universidade Anhanguera-Uniderp | REDE LFG.
[3] O STJ adotou o mesmo entendimento, pacificando a questão nos tribunais da jurisdição extraordinária, como se pode ver no RHC 15.631/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2005: “1. Extingue-se a punibilidade do réu, a qualquer tempo, em face do pagamento integral do débito fiscal objeto da ação penal ajuizada”.
[4] GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Caso Marcos Valério. Crime previdenciário, pagamento e extinção da punibilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1660, 17 jan. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/10860>. Acesso em: 19 fev. 2011.

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