Vejamos nas palavras de Francisco Rezek, autor denominado clássico pelos autores autodenominados modernos, as razões pelas quais aos indivíduos, às empresas e às ONGs não se deve abribuir personalidade jurídica de Direito Internacional:
Não têm personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos, e tampouco as empresas, privadas ou públicas. Há uma inspiração generosa e progressista na ideia, hoje insistente, de que essa espécie de personalidade se encontra também na pessoa humana — de cuja criação, em fim de contas, resulta toda a ciência do direito, e cujo bem é a finalidade primária do direito. Mas se daí partimos para formular a tese de que a pessoa humana, além da personalidade jurídica que lhe reconhecem o direito nacional de seu Estado patrial e os dos demais Estados, tem ainda — em certa medida, dizem alguns — personalidade jurídica de direito internacional, enfrentaremos em nosso discurso humanista o incômodo de dever reconhecer que a empresa, a sociedade mercantil, a coisa juridicamente inventada com o ânimo do lucro à luz das regras do direito privado de um país qualquer, também é — e em maior medida, e há mais tempo — uma personalidade do direito das gentes.
A percepção do indivíduo como personalidade internacional pretende fundar-se na lembrança de que certas normas internacionais criam direitos para as pessoas, ou lhes impõem deveres. É preciso lembrar, entretanto, que indivíduos e empresas — diversamente dos Estados e das organizações — não se envolvem, a título próprio, na produção do acervo normativo internacional, nem guardam qualquer relação direta e imediata com essa ordem.
Muitos são os textos internacionais votados à proteção do indivíduo. A flora e a fauna também constituem objeto de proteção por normas de direito das gentes, sem que se lhes tenha pretendido, por isso, atribuir personalidade jurídica. É certo que indivíduos e empresas já gozam de personalidade em direito interno, e que essa virtude poderia repercutir no plano internacional na medida em que o direito das gentes não se teria limitado a protege-los, mas teria chegado a atribuir-lhes a titularidade de direitos e deveres — o que é impensável no caso de coisas juridicamente protegidas, porém despersonalizadas, como as florestas ou os cabos submarinos.
Para que uma ideia científica — e não simplesmente declamatória — da personalidade jurídica do indivíduo em direito das gentes pudesse fazer algum sentido, seria necessário pelo menos que ele dispusesse da prerrogativa ampla de reclamar, nos foros internacionais, a garantia de seus direitos, e que tal qualidade resultasse de norma geral. Isso não acontece. Os foros internacionais acessíveis a indivíduos — tais como aqueles, ainda mais antigos e numerosos, acessíveis a empresas — são-no em virtude de um compromisso estatal tópico, e esse quadro pressupõe a existência, entre o particular e o Estado copatrocinador do foro, de um vínculo jurídico de sujeição, em regra o vínculo de nacionalidade. Se a Itália entendesse de retirar-se da União Europeia, particulares italianos não mais teriam acesso à Corte de Luxemburgo, nem cidadãos ou empresas de outros países comunitários ali poderiam cogitar de demandar contra aquela república.
Por outro lado, é ainda experimental a ideia de que o indivíduo tenha deveres diretamente impostos pelo direito internacional público, independentemente de qualquer compromisso que vincule seu Estado patrial ou seu Estado de residência. Numa circunstância excepcionalíssima, o segundo após-guerra, o Tribunal Internacional de Nuremberg entendeu de estatuir o contrário, para levar a cabo o julgamento e a condenação de nazistas. Ali, a tese de que os indivíduos podem cometer crimes suscetíveis de punição pelo direito internacional, apesar da licitude de sua conduta ante a ordem jurídica interna a que estivessem subordinados, não foi a única a merecer crítica, em doutrina, por sua falta de base científica.
Nuremberg não constitui jurisprudência, em razão de sua exemplar singularidade. O produto daquele tribunal não prova o argumento de que o direito das gentes imponha diretamente obrigações ao indivíduo. Prova apenas que, em determinadas circunstâncias, a correta expressão do raciocínio jurídico pode resultar sacrificada em face de imperativos de ordem ética e moral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário